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SÉRIE 1 - #4

23out2021 17h10

Num lugar em que os cegos veem

O episódio com a artista visual Laura Lima já está disponível. Com ele, terminamos a primeira série da programação. Um Rádio na Paisagem é um podcast concebido e dirigido pelo coreógrafo Gustavo Ciríaco, e pode ser escutado nas principais plataformas de streaming (spotify, deezer e apple music), e pela página do Sesc Avenida Paulista. Uma produção da Dos Voos.

Redação: Priscila Maia
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Saiu mais um episódio do nosso podcast Um Rádio na Paisagem. Laura Lima, artista visual, conversa com Gustavo Ciríaco sobre a transformação dos espaços em seus trabalhos, gerando uma obra viva, na qual a experiência do espectador é central para o seu significado. Ao longo da entrevista, ela descreve como cria espaços de curiosidade, que podem gerar ao mesmo tempo "um quase incômodo", onde não é possível saber onde se está pisando.

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Laura Lima, em frente ao seu ateliê | Foto: Bruno Simões

Vestido azul, cama azul

"Onde você está nesse momento?", pergunta Gustavo, como forma de instaurar a poética da conversa. Laura, que é mineira, mora no Rio de Janeiro, em uma vila que faz lembrar seu estado. Decide descrever o que vê naquele exato momento - e isso inclui como ela é vista. 

 

A descrição é um traço marcante de seus relatos. Formada em filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Laura tem o hábito de esmiuçar o mundo das matérias, e de valorizar as sutilezas do que se vê. Sua experiência de estudos em artes visuais é marcada pela passagem pela Escola do Parque Lage, onde se habilitou a considerar-se uma artista-filósofa. Em 1999, fundou o Organism RhR (Representative hyphen Representative), "um território povoado não apenas por subjetividades, mas também por uma variedade de outros elementos orgânicos e não orgânicos". 

Laura também foi administradora do RhR, onde pôde amadurecer sua atuação como gestora. Neste contexto, criou um arquivo de conceitos e atividades do grupo, incluindo ideias como filosofia do nada, não-funcional, vazio e fracasso. Dentro do RhR, o tempo não era medido em anos, meses ou dias, mas em movimentos. E o 1º movimento foi de Laura, que viveu ali a experiência incubadora para que pudesse fundar em 2003, junto aos artistas Marcio Botner e Ernesto Neto, a galeria de arte contemporânea A Gentil Carioca (talvez a galeria mais carioca da cidade), agora também com sede em São Paulo. 

Seria um devaneio precisar o quanto a condição de hipermetrope influencia sua sensibilidade. Entretanto, por ter dificuldade em ver de perto, Laura se assume atenta aos sons, aos deslocamentos e à gravidade dos espaços. Com a pandemia de covid-19, e o excesso de casa e de telas que ela proporcionou, Laura sente que ficou mais sensível aos impactos que os espaços exercem em seu corpo. Teve que se abstrair da experiência de montar exposições presencialmente, e fazendo esse trabalho à distância, sua percepção espacial foi afetada pela ideia de ajuste de sentidos.

Os gentis, em frente à fachada da A Gentil Carioca | Sócios: Laura Lima, Ernesto Neto e Márcio Bottner, junto à diretora da galeria Elsa Ravazzolo (no meio, à esquerda) | Foto: Divulgação/Veja SP

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Rio Occupation London

Foi através do bailarino e agitador cultural Charles Siqueira que Gustavo e Laura se conheceram, mas foi por conta da residência Rio Occupation London que se tornaram amigos. Em julho de 2012, durante os Jogos Olímpicos, um grupo de 30 artistas do Rio de Janeiro, das mais diferentes matizes e atuações, passou um (intenso) mês de trabalho, ocupando ruas, palcos e praças de Londres, com o objetivo de promover um intercâmbio entre artistas da então sede olímpica e a próxima. Quando chegou a vez do Rio, aconteceu sob o formato de LabCriativo_BRAxUK, durante o Festival Multiplicidade 2016. Gustavo foi mentor, junto com a crítica de arte Daniela Labra.

Não estamos no momento de eclipsar quem apoia a arte. Rio Occupation London foi concebida pela Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, produzida pelo People’s Palace Projects, coproduzida pelo Battersea Arts Centre/BAC, patrocinada pela Petrobras,  e cofinanciada por British Council e Arts Council England (itálico pra todo mundo). Um projeto artístico vem de parcerias, costuradas com (engenharia de) diplomacia. Quando há respeito envolvido, o resultado pode durar e transformar vidas. 

 

Como neste caso. A iniciativa foi inovadora, e promoveu amizades e projetos que se desenrolaram no tempo, para além do evento esportivo. Gustavo criou ali o protótipo da performance em site-specific Onde o Horizonte se Move, que já teve inúmeras versões desde então, além de ter sido apresentada em mais de seis países. Laura desenvolveu Cinema Shadow, trabalho que estava prestes a arquivar, se não fosse o convite para a residência, encarado como uma possibilidade de escapar do "confinamento das artes visuais". Para ela, a diversidade dos artistas com quem conviveu durante a Rio Occupation London foi fundamental para os anos seguintes da sua pesquisa. 

"Eu já gostava da ideia de fugir um pouco". Mas para entender isso, será necessário voltar à vida íntima de Laura, entendendo intimidade a partir da perspectiva de Clarice Lispector: "vida íntima quer dizer que a gente não deve contar a todo mundo o que se passa na casa da gente". Para nos aproximarmos de Laura, temos que falar sobre densidades e redondezas.

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Os 30 artistas que formaram o grupo da Rio Occupation London | Foto: Ellie Kurttz

Cinema Shadow

"Você entrava no cinema para ver um filme como você vê normalmente e ele te puxava para uma experiência de outra ordem. Era uma sombra de algo que você conhecia, mas talvez você estivesse experimentando outra coisa". Assim, Laura fala de Cinema Shadow, obra criada em colaboração com o diretor e dramaturgo Emanuel Aragão. Aproveitando o fato de estarem residentes no BAC, a dupla resolveu filmar, em espaços diversos da casa, um roteiro envolvendo equipe técnica e convidados, criando a sugestão de uma narrativa possível para aquelas vidas. 

 

Quando o público via a transmissão ao vivo, em uma tela no Shortwave Cinema, não sabia estar assistindo algo que acontecia em live streaming, vivida em tempo real de forma não-espetacularizada, não muito longe dali. Por conta da aceleração que a pandemia nos trouxe, fazer uma live se tornou algo habitual, mas na altura, não era. A ideia veio da proximidade de Laura com as chamadas de vídeo, por conta dos corriqueiros skypes que fazia com seu companheiro, que na época morava em outro país. "Eu deixava aos moldes de uma certa magia, sem entregar completamente esse jogo do filme que poderia ser justamente vivido nesse tempo (...) um pouco mais expandido". 

Em Londres, a experiência levou o nome de Unspecified (Cinema Shadow #1). Laura cunhou o termo 'momento' para falar das cenas desse filme não-filme, vivido enquanto realidade mas transmitido no cinema, e que no fundo, foi sua particular homenagem à antiga arte popular do Teatro de Sombras, "entendendo que, na verdade, havia uma inversão: uma emissão de luz (...) que era uma sombra de alguma outra experiência que a gente estava acostumado".  

 

Seis meses depois, já no Rio, a experiência ganhou o nome de Segundo, e totalizou 100 horas de duração, acontecendo na casa da Fundação Eva Klabin, durante 33 dias com três horas diárias de gravação. Enquanto o "filme" era vivido na casa, era também exibido em uma sala de cinema na Caixa Cultural, no Centro da cidade. 

Unspecified (Cinema Shadow #1) (2012) | Foto: Mario Grisolli

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Governador Valadares

Quanto o lugar onde nascemos determina quem somos? Ainda que seja uma pergunta retórica, alimenta o voo das palavras, e neste caso, nos leva para a Ilha dos Araújos, a maior ilha natural do rio Doce, na região leste de Minas Gerais, especificamente no município de Governador Valadares. Foi lá que Laura nasceu, em 1971, e cresceu até a década de 90. E para falar da Ilha, faz-se necessário falar sobre a cidade. 

 

Localizada em meio à Mata Atlântica, Governador Valadares ficou conhecida nacionalmente pela alta quantidade de cidadãos emigrados, principalmente para os Estados Unidos. Foi nos anos 60 que a cidade registrou as primeiras migrações em busca do sonho americano, ainda todos de classe média alta e com visto legal de trabalho.

 

Desde então, o perfil dos emigrantes mudou por completo. A partir dos anos 80, foram os menos privilegiados que se tornaram os desterrados, a maioria se infiltrando pela fronteira do México, alguns portando documentos falsos. Iam preencher as vagas que os norte-americanos desprezavam: na faxina, pintura ou construção civil. 

Nos anos 30 e 40, a cidade viveu o apogeu da exploração de mica, matéria-prima para a indústria bélica, e foi favorecida pela reforma da estrada de ferro Vitória a Minas, que atendia a exportação de minério de ferro de Itabira, a 200 km de Valadares. Como hoje sabemos, ter um perfil econômico predatório é como Aquiles e seus calcanhares banhados pelo Rio Estige: se você burlou a mortalidade, uma hora ou outra, isso se tornará o motivo de sua morte. 

 

Laura faz questão de lembrar que, antes de tudo e de todos, Governador Valadares é território Krenak. Povo originário historicamente massacrado, com inteireza vivem conectados à terra e ao Rio Doce. É possível presumir que se tivessem sido respeitados pelo saber que perpetuam, teríamos evitado o assoreamento dos rios e a degradação do solo que se vê ali hoje em dia.  

 

 

Vento

"Você tinha alguma relação com o céu?". Para responder esta pergunta, Laura descreve o que via em sua ilha. Diz que tinha uma pedra, chamada Ibituruna, bem em frente a sua casa, e por conta dela, curvava o pescoço pra tentar olhar o além. Em tupi-guarani, Ibituruna significa 'pedra negra', e a montanha ganhou esse nome dos Krenak.

"Geralmente, o céu era muito azul", e as ruas eram de terra, só foram calçadas quando Laura tinha 12 anos. O calor era intenso, como se o céu se manifestasse enquanto gravidade. Relembra do areal onde brincava com o irmão e o primo, entre o rio e azul do céu. "Gosto de lembrar do vento". 


Para Laura, tanto a arte quanto a filosofia são experiências diletantes. Envolvem o prazer do corpo, ou o que Gustavo chama de "percepção ativa", na marca 17'30'', ao analisar o trabalho de Laura como um todo. Ele traz para a conversa o verbo perscrutar, e Laura adora. Diz que gosta de provocar novos usos para palavras, e concorda que seu trabalho leva a dúvida para passear.

Pico do Ibituruna, em Governador Valadares (MG) | Foto: Sérgio Mourão

Nomadismo

Ao pensar sobre paisagem, Laura resgata seu trabalho Nômades, iniciado em 2008, para o qual trabalhou com a noção de continuidade. "A ideia do nomadismo é que, na verdade, você de certa maneira nomeia a paisagem. Quando você nomeia a paisagem, você faz um momentâneo recorte, porque senão, ela seria contínua".

 

Sem residência fixa, os nômades estão constantemente levando consigo as paisagens que veem, como um horizonte caminhante. Através da cópia de pinturas retiradas de livros botânicos e de arte, a artista transforma a imagem parada em máscaras, que podem ou não serem vestidas, mas que são paisagens. "As plantas saltam dessas paisagens, plantas também pintadas, só que recortadas".

Assim escreveu o curador e crítico de arte Marcio Doctors, sobre a sensibilidade de Laura: "não se trata de ser no exterior da imagem (como queriam os renascentistas), ou de ser no seu interior (como queriam os modernistas) ou de romper a barreira arte/vida (como queriam os artistas dos anos 1960/ 1970), mas de ser na imagem, como agente cúmplice do seu devir, como se o olhar não nos pertencesse, mas como se nós pertencêssemos ao olhar da imagem". 

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Caverna, da série Nômades (2018) | Foto: Divulgação/Galeria Luisa Strina

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Pássaros

 

"A vida é a infância da imortalidade". Essa frase chega a gerar um certo desconforto. No livro A imortalidade, de Milan Kundera, em um conversa imaginária entre Hemingway e Goethe, o autor de Fausto provoca o autor de O Velho e o Mar. "O que você quer é a imortalidade", por isso escreveu tantos livros. Será que não é isso que todo artista quer? Permanecer, mesmo que já tenha virado pó?

"Eu geralmente gostava de iniciar as brincadeiras construindo coisas (...) Gostava muito de construir cidades. Eu construía e saía. Já não me interessava mais continuar a brincadeira". A menina Laura subia em árvores, e acredita que, por ter forjado esta perspectiva na infância, isso aparece ainda hoje em suas obras. "Eu gosto da sensação de suspensão". Menciona Pássaros, na qual fez flutuar inúmeros desenhos emoldurados de pássaros, que pendurados no teto e articulados por dobradiças, remetem à cena do ataque aos estudantes, no filme de mesmo nome do diretor Alfred Hitchcok. 

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Pássaros (2011), conjunto de desenhos, caneta esferográfica de tinta preta sobre papel | Foto de divulgação

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Six Feet Over (2021)  | Foto de divulgação

Six Feet Over

Ainda sobre suspensão, Laura traz à tona o projeto que recentemente a fez montar uma exposição à distância: Six Feet Over (2021), onde novamente brinca com as palavras. Um jogo com a expressão 'seis pés abaixo', comum na língua inglesa para se referir aos mortos, cujas covas têm essa proporção. E uma original inversão espacial, uma vez que a obra consiste em ninhos suspensos em flutuação, costurados a partir da desconstrução de chapéus de palha, seis pés para cima. 

 

Six Feet Over vem acompanhada de Leviane (2021), feita de tecido transparente e gelo seco, que lentamente evapora, produzindo uma fumaça pesada, que se dissolve na leve fibra do tecido. O ambiente fica cheio de sombras, instaurando um clima misterioso e sinistro, também uma brincadeira com a inconsistência presente no significado de 'leviano', palavra da qual o nome da obra deriva.

 

Six Feet Over, Leviane e Alfaiataria (2018) estão reunidas na exposição coletiva Witch Hunt, em exibição no Hammer Museum, de Los Angeles, de 6 de novembro de 2021 a 22 de janeiro de 2022. Em comum, trazem a experiência de poderem ser observadas de todos os ângulos.

Mágico Nu

No labirinto de referências que se torna a conversa, Laura retoma o verbo perscrutar para associar seu caráter investigativo à obra Mágico Nu, onde uma caótica estrutura é material para que um mágico (de mangas cortadas) escancare seus próprios truques secretos. Neste ambiente de caos, o personagem é uma espécie de antiarquivista, que tanto desorganiza as prateleiras de forma ordinária, quanto dorme e assa um bolo. "Livros flutuando, salas montadas no teto, parece que tudo está revirado, e o mágico está ali, em um outro tom, aquela é a casa dele".

 

Cabe ao público procurar penetrar nesse universo, como um intruso que "adentra em um espaço que é de alguém".  Laura assume se alinhar com a "ideia de que se crie um certo espaço de curiosidade (...), e ao mesmo tempo um quase incômodo, que você não sabe bem onde está pisando". Gustavo não visitou a obra montada, mas para pensar junto, arrisca-se a lançar no ar as palavras mistério e maestria. Laura completa: em Mágico Nu, está em jogo a incompletude daquilo que se percebe. 

Mágico Nu (2008-2011), na Casa França-Brasil | Foto de divulgação

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Homem = Carne / Mulher = Carne

Um homem e uma mulher, nus e relaxados, em uma imensa rede pendurada atravessa o espaço. Ele tem as sobrancelhas estendidas e ela pelos pubianos alongados, e os fios de ambos tocam o chão.

 

Duas pessoas, uma de frente para outra, agachadas de forma a terem seus quadris encaixados. Seus joelhos estão cruzados, e cada pessoa tem as solas dos pés descalços sobre o chão. Estão também unidas por um tecido que perpassa seus quadris.

 

Para Laura, imagens são feitas de carne. Ela pensa o corpo enquanto materialidade e carnalidade, e reside aí a lógica da equação algébrica que dá nome à peça: Homem = Carne / Mulher = Carne

 

Gustavo menciona essas obras buscando analisar dois caminhos que o trabalho de Laura costuma tomar. As obras Pelos (H=c/M=c) e Quadris de Homem = Carne / Mulher = Carne pertencem ao primeiro caminho, o do corpo por sua dimensão escultórica, o que implica em interação e convivência entre as pessoas envolvidas. Já o segundo, seria o do corpo agente, realizando propostas organizadas por Laura através de instruções. Para esse caso, Gustavo cita Alfaiataria

 

Laura responde trazendo a origem de Homem = Carne / Mulher = Carne: uma vaca que ela levou, em 1994, para a paisagem da praia de Ipanema. Isso "já é uma pequena provocação" em relação ao que considera ser o corpo.  Desde esta época, Laura começou a dizer que podia deixar para trás o termo 'performance', para "se concentrar na questão da matéria e na questão de instruções para as pessoas que participavam". "As instruções têm que ser um pouco mais diretas, simples, pra que depois tenha uma margem aí de adaptação para aquele que recebe"


A equação Homem = Carne / Mulher = Carne se tornou um grupo de trabalhos, que inauguraram uma nova fase na carreira de Laura. Ela anotava imagens em um caderno, e elas iam virando materialidade. "Tem a mulher que dorme no museu, conectada à parede, tem os puxadores, quer dizer, o Puxador". Em 2000, Homem = Carne / Mulher = Carne foi comprada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo/MAM-SP, e ela chama atenção para a ironia: “As primeiras performances adquiridas na história da arte brasileira foram aquelas que eu mesma não chamo de performance”.

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Quadris de Homem = Carne / Mulher = Carne (1995) | Performers: Marcos Sobrinho e Wellington Duarte | Foto: Sérgio Guerini/Itaú Cultural

Pelos, acontecendo na Coreia do Sul | Foto: Laura Lima 

Glossários

 

"Eu queria ter uma ideia de que eu pudesse construir imagens com pessoas e que elas pudessem acontecer apesar da minha presença". Essa foi a motivação de Laura, quando ainda nos anos 90, planejou dar autonomia às suas obras. Ao observar as pessoas que atualizavam as imagens que criava, gostava de vê-las passando o dia no museu, vivendo suas próprias jornadas de trabalho.

 

Liberdade vem com disciplina. Com as instruções, busca criar imagens que "tentam se controlar pela sugestão". Para conseguir visibilizar suas intenções, Laura precisa inventar palavras de acesso, que permitam aos outros entenderem o que ela está imaginando. Acha interessante exercitar glossários novos, e descongelar as estruturas significantes das palavras. Já perto do final da entrevista, a artista conta que quando começou a trabalhar, percebeu os perigos da displicência com as palavras. "Eu não deveria usar os termos mais comuns (...) Eu gostaria de provocar novos usos de palavras".

Um tipo de ética

São mais de 30 obras, em mais de 85 exposições, fora o trabalho como curadora e galerista. Para alguém falante e prolífica como Laura, esperar um fim conclusivo para esse texto seria, no mínimo, leviano (ou leviane). 

Então, fiquemos com uma ressalva sobre a poética de Laura, que passeia entre céu e chão, materializando palavras e abalando confortos. Suspensão, carnalidade e ironia conduzem suas escolhas, que ora se expandem em grande escala, ora se concentram em um certo objeto. 

 

"Eu achava bastante importante criar uma ética, vamos chamar assim". Ela fala sobre as políticas de convivência entre ela e as pessoas/matéria/carne que colaboram com ela. Há, entre todos os seres viventes, um vínculo, ou o que ela chama de "estarmos fundidos com o planeta Terra". Não há, assim, um contorno claro entre as ideias, as palavras e nem entre as matérias, para ela.  

 

Objetivando palavras, chega-se ao fluxo da comunicabilidade. Levando especialistas de algumas profissões para o museu, como em Mágico Nu e Alfaiataria, ela aprende sobre outros mundos, ao mesmo tempo em que mostra o fazer de pessoas que dominam um ofício.  Estar com o outro também é matéria. Igual importância têm os momentos de risada e cumplicidade, que podem surgir enquanto monta uma exposição. Talvez a simplicidade defina essa ética. 

 

Para uma tarde quente e alaranjada, ou para uma noite fria e escura, de Laura fica um sussurro para o futuro: "o universo é aquele que olha".

Puxador Paisagem (H=c/M=c), acontecendo no México, em 2013 | Foto: Laura Lima

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Só vem!

Concepção, direção artística e entrevistas: Gustavo Ciríaco

Artistas entrevistados: Ana Pi, Bruno Levorin, João Saldanha, Laura Lima, Luciana Lara, Marcelo Evelin, Maya Da-rin e Michelle Moura

Comunicação, produção executiva e redação: Priscila Maia

Edição de som e música: Fabiano Araruna

Web Design e programação visual: Marina Lutfi

Desenhos: Gonçalo Lopes

Administração - Mídias Sociais: Mariana Marques

Produção: Dos Voos – Soluções em Arte e Design

Apoio: THIRD - Amsterdam University of the Arts

Realização: Sesc SP

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