
EPISÓDIO EXTRA
18dez2021 08h08
Um horizonte ouvido
Um encontro na internet. Uma conversa de conversas. Um papo à meia luz. Um atravessamento entre acústicas. Um 'até logo, volto em breve'. Uma tradução que abre brechas. Uma live no youtube. Um gesto de encerramento. Uma pausa na correria. Um entrevero com o fim. Um horizonte ouvido.
Redação: Priscila Maia
No dia 30 de novembro de 2021, Gustavo Ciríaco, Michelle Sommer e Thereza Rocha combinaram de se encontrar na internet. O motivo: pensar juntos acerca da palavra 'paisagem', e de tudo que ela evoca ou potencialmente pode evocar. Gustavo está detido a essa temática há anos, e ambas têm vínculos com as paisagens, tão particulares quanto propositivos.
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Maternagem
Comecemos com a imaginação, esse poder que nos leva a criar. Como diz Gustavo, estão ali duas gatas, abertas ao jogo das sutis provocações. É Michelle Sommer quem puxa o primeiro fio, e por conta de seu sobrenome, Gustavo diz que o início será pelo verão. Michelle é do Rio Grande do Sul, região onde o calor é mais frio. Nasceu em uma cidade de 12 mil habitantes, perto da tríplice fronteira entre Argentina e Uruguai, no meio da soja e das araucárias. É professora, pesquisadora, curadora e crítica de artes visuais, e pós-doutoranda em Linguagens Visuais no PPGAV /UFRJ. Vive e trabalha no Rio, e acredita que os atravessamentos entre movimento e paisagem aproximam a linha de sua trajetória a de Gustavo, desde que se conheceram no Largo das Artes, em 2013. Na altura, Gustavo realizava ali uma residência que se tornou sua primeira instalação performativa: Sala de Maravilhas.
Entretanto, a experiência da maternidade redefiniu seus últimos dois anos de vida. Liv, sua filha, agora com dois, é uma menina falante que solta pérolas de pureza. Acompanhar o nascimento da linguagem em Liv tem encantado Michelle. "Mamãe, a nuvem caiu". Como continuar linear depois de uma frase tão vicejante?

Captura do vídeo NoNoseKnows (Pearl Shop variant), de Mika Rottenberg (2015) | Foto: Permission de la Galerie Andrea Rosen, New York
Atravessamentos
"Eu sou uma rocha na paisagem". Assim Thereza começa a se apresentar, com um sorriso aberto que muito a define. Carioca do Méier, bairro da região norte do Rio de Janeiro, é pesquisadora de dança, diretora e dramaturgista de processos de criação. Por morar em Fortaleza há onze anos, onde é professora do curso de dança do Instituto de Cultura e Arte da UFC - Universidade Federal do Ceará, enxerga-se hoje como uma 'cearoca'.
Doutora em Artes Cênicas pela UNIRIO, Thereza é amiga de Gustavo de longa data, graças à convivência nas salas e corredores da Escola Angel Vianna. Foi ali que ambos esboçaram suas carreiras, nos idos dos anos 90, na companhia de outros grandes dançarinos e coreógrafos brasileiros. Também foi na Angel que Gustavo conheceu Fred Paredes, com quem teve, por dez anos, a dupla de Dança Ikswalsinats - pioneira, no Brasil, no uso do humor na dança contemporânea.
Em 2005, Thereza Rocha concebeu e dirigiu o espetáculo Mildred Mildred para os dois, no que viria a ser a última peça da dupla. Entre Gustavo e Thereza, há o tempo e a afinidade. "A conversa é mais do que uma hermenêutica, é uma erótica", resume Thereza.
Lust (2007), da escultora norte-americana Judy Fox
Festa sem fim
O que teve de acontecimento no seu dia? Gustavo quer saber qual a paisagem influenciou as últimas horas da vida de cada uma. Por coincidência, ambas viajaram naquela mesma manhã, e no caso de Thereza, foram mais de 600 quilômetros, entre Teresina e Fortaleza, em um carro com mais cinco pessoas.
Ajuda a imaginação dizer que havia cinco atores no carro, todos do grupo de teatro Pavilhão da Magnólia, cujo último trabalho - Há uma festa sem começo que não termina com o fim - foi apresentado no Festival de Teatro Lusófono (Festluso) 2021, no dia 28 de novembro. Codirigida por Thereza e Francis Wilker, a peça comemora os 16 anos do grupo, mas também reflete sobre o momento pandêmico, que além de inflingir isolamento, provocou resgates de muitas ordens.
Thereza enxerga a memória como um "ato coletivo de resistência e de imaginação", e por isso, resolveu perguntar ao grupo sobre as possibilidades de se fabular uma memória do futuro. Como simboliza a cena do carro, a vontade de estar junto novamente norteou a criação, ainda que fossem as memórias de cada um o material a ser resgatado.
Organizadas de forma fragmentária, essas narrativas funcionaram como canal para a discussão de temas mais universais, passando pela contextualização frente à aguda realidade brasileira. O título da peça é uma homenagem à resistência quilombola, uma "tradução-traição" de um verso do congado da Comunidade Quilombola dos Arturos (MG). A covid-19 levou duas figuras importantes da comunidade: a matriarca Dona Dodora e o patriarca Mário Brás da Luz. Hoje, dia 16 de dezembro de 2021, o Brasil já perdeu 617.301 mil vidas para o coronavírus.

Silêncio
Estudando sobre o comportamento humano durante longas viagens de trem, Thereza descobriu que os bancos projetados um de frente para a outro, ao invés de provocarem a conversa, levavam os passageiros à introspecção e ao silêncio. "Ao mesmo tempo, a prática da observação da paisagem do trem. Essa paisagem a qual a gente não pertence, pela qual a gente passa".
O silêncio anda sumido dos dias de Michelle, que diz estar habitando uma 'paisagem maternagem' desde a chegada de Liv ao mundo. O fato de estar vendo os lampejos de linguagem da filha a fazem pensar sobre o fator exterioridade presente no entendimento de paisagem. Quando alguém aprende a falar, todo o seu interior se expressa junto.
Recentemente, um estudo viralizado no Instagram divulgou uma lista de frases coletadas de pessoas surdas, ao terem pela primeira vez a experiência da escuta. Uma delas disse que se espantou ao descobrir que as nuvens não emitiam som quando se batiam. "Como construímos a nossa paisagem interior?". "Mamãe, a nuvem caiu". Michelle nos instiga a pensar sobre o que existe em nossa imaginação, para além do que a gente vê. "Drops de poesia" que podem sair da gente, tão súbitos quanto cuspidos.

Neblina no Vale do Paraíba | Foto: João Rural / Instituto Chão Caipira
Tradução
O projeto Um rádio na Paisagem é um desdobramento de Cobertos pelo Céu, pesquisa permanente que Gustavo desenvolve de forma intermitente. O Cobertos já se materializou de diversas maneiras - site-specific, oficina, espetáculo, coreografia e podcast -, a depender do contexto. Além de coreógrafo, Gustavo também se vê como um artista contextual. A partir de uma experiência de paisagem vivida ou ouvida, ele delineia um novo projeto, sempre escutando a vontade criadora das situações em que se vê inserido.
"Curiosamente, esse título Cobertos pelo Céu, que vem de um trecho da Utopia, de Thomas Morus, ele só existe em português, essa frase. Ela não existe em inglês. A tradução foi que colocou assim". É dito que o renascentista Thomas Morus gostava de trocadilhos, e ao nos cobrir com o céu, a tradução talvez também tenha optado pelo jogo. Morus escolheu nomear de Utopia sua ilha-reino tanto pelo sentido de não-lugar - outopia - quanto pelo de bom lugar – eutopia - da palavra. Para Michelle, "uma tradução é também uma traição. Sempre algo se perde aí". Traduzir é trair, mas também é pescar: nem sempre o pescado era o que a embarcação esperava.
Em um labirinto de lugares e experiências, Gustavo se diz interessado em "como é que essas paisagens internas, ou essas maneiras de se internalizar o que se vê e o que se vive, se refletem nas ações que a gente tem no mundo. E como artistas, como é que a gente faz soar as nossas vivências, os nossos arredores".
Lawal, a primeira peça estreada do projeto Cobertos pelo Céu, dentro Festival Walk & Talk, nos Açores/PT | Foto: Sara Pinheiro

Paisagem interna
Thereza se entende como dramaturgista, e diferencia esse termo da ideia de dramaturgo. No campo expandido da dança, pensar em dramaturgias do corpo tem menos a ver com drama, e mais a ver com dar a ver o invisível. Em seu texto icônico O discurso da cumplicidade: Dramaturgias contemporâneas (2004), a professora e autora portuguesa Ana Pais compara o fazer da dramaturgista de dança com o ato de tecer. Para ela, dramaturgia é tecelagem, de fios visíveis e invisíveis, que na cena faz penetrar o todo nas partes.
Enquanto dramaturgista, 'paisagem interna' é um termo operativo para Thereza. "Costumo ilustrar isso com um verso da canção Sampa, do Caetano Veloso, que eu gosto muito, quando ele diz 'é o avesso, do avesso, do avesso, do avesso' ". Para Thereza, em nosso 'estar no mundo', já não há uma separação entre o externo e o interno, entre eu e o mundo. "Mais sim um imundo, uma imundice, esse imundo, com i mesmo". Se ainda venta, não adianta varrer. Somos cobertos pelo céu, e não por um grande tapete que esconde nossas sujeiras.
Arquitetura afetiva
"Até que ponto nossa paisagem interior não faz parte de uma arquitetura afetiva, no tipo de afeto que o mundo incide sobre a gente?". Pensar sobre isso leva as debatedoras a abrir frentes. Interessada pela(s) cena(s) da performance, Thereza nos convoca a refletir sobre a força que o corpo tem de 'fazer' o próprio espaço, mais do que de 'estar' no espaço.
Michelle acha que continuamos lutando contra as dicotomias do pensamento moderno, que ainda divide o dentro do fora, como se fossem excludentes um do outro, "e não coexistências plenas, de um estado de espírito que você está que se reverbera também na paisagem".
"Como essa exterioridade reverbera no interior, e vice e versa. O avesso, do avesso, do avesso, do avesso". Em 2017, Michelle foi cocuradora da exposição Mário Pedrosa: de la naturaleza afectiva de la forma, no Museu Reina Sofia, em Madrid. Com o seu trabalho, a exposição obteve o prêmio destaque em curadoria da ABCA – Associação Brasileira de Crítica de Arte, em 2018. Gustavo recupera a frase de Mario Pedrosa - "quem diz utopia diz vontade criadora" - para salientar a importância das conexões afetivas nos fazeres artísticos. É por querer modelar a memória do futuro que pessoas se juntam, alinhando suas paisagens internas a partir da admiração e da empatia mútua.
Ao que Thereza conclui: "neste momento em que a gente está vivendo, nestes horrores todos, a palavra 'utopia", com outros sentidos, talvez nos seja muito necessária. Mas não uma utopia como um horizonte que de mim se distancia e que é inatingível".
Trecho de Kiss (2015), de Tino Sehgal
Presentidade
O que acontece no tempo que se perde no gesto de traduzir? Michelle gosta de lançar perguntas, é a sua maneira de articular pensamentos. Ao refletir sobre a atualidade - esse 'quando' feito de dispersões e bombardeamentos de informação -, percebe que estamos impossibilitados de acessar o tempo do silêncio. "Como criamos estratégias de estarmos presentes, na construção das relações, e nas contruções das relações que se dão também nos espaços de arte?".
Em seu artigo de 1980, Da razão antropofágica: diálogo e diferença na cultura brasileira, o poeta e tradutor brasileiro Haroldo de Campos analisou a tradição antropofágica da literatura brasileira, e de certa forma, de toda a nossa cultura. Relembrou a brincadeira dos tupinambás, ao verem o europeu Hans Staden se aproximando: "lá vem a nossa comida pulando".
Com um rigor irreverente, destacou a relevância dos “tradutores diferenciais da tradição”, tais como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Guimarães Rosa, e João Cabral de Melo Neto, e suas apropriações criativas do passado. "Todo passado que nos é "outro" merece ser negado. Vale dizer: merece ser comido, devorado".
O que Michelle chama de presentidade pode ser entendido como esse vínculo com o aqui e agora, em uma atenção plena à realidade e às relações que nos circundam. Refere-se ao exercício da presença como "gesto revolucionário", e Thereza complementa: "é um gesto de amor a gente estar em presença, a gente estar em condição de presença, de atenção. Neste momento, eu acho que é um gesto muito político. Pede uma insurreição corporal".
Se traduzir é escrever, vale destacar um trecho do último parágrafo do já mencionado texto do Haroldo: "escrever, hoje, na América Latina como na Europa, significará, cada vez mais, reescrever, remastigar". Presente, presente, presente. É o que evoca a coreógrafa Lia Rodrigues, quando percebe que seus bailarinos estão esmorecendo durante os ensaios.

Desumano (2004), de Augusto de Campos
Chegadas e Partidas
Quando conheceu Gustavo, Michelle estava às voltas com o projeto Práticas Contemporâneas do Mover-‐se, fruto de pesquisa curatorial que tomou o movimento como impulso para analisar proposições artísticas recentes na arte brasileira. Ao mesmo tempo em que pesquisava e escrevia, Michelle também viveu o início de uma fase que durou quatro anos. Nesse período, estava literalmente em movimento: sem residência fixa, usando a experiência peregrina para escrever a publicação Mover-se e sua tese de doutorado.
Muito influenciada pelo livro A experiência Interior (1943), do filósofo francês Georges Bataille, Michelle exercia em sua vida pessoal certas premissas batailleanas, tentando decifrar as causas internas dos seus atos. Em paralelo, o texto A Teoria do Mover-se (1833) cruzou seu caminho, muito por conta do jeito balzaquiano de observar a linguagem de movimento dos parisienses do final do século XIX. Michelle também menciona o impacto que a Viagem a Ixtlan, de Carlos Castaneda, teve em sua busca.
Em meio aos seus trânsitos pelo mundo, Gustavo e Michelle compartilharam um CEP: um apartamento no bairro de Santa Teresa, que ambos usaram como pouso no Rio, sem nunca terem morado juntos. Nesses quatro anos, Michelle contabilizou dez moradas, em quatro cidades de três países diferentes, e outros nove países visitados. "Esse mover-se, tão plural, que é norteado pela busca do próprio norte, é um lugar sempre além". E que também vai a encontro de si.
'Estado-pássaro' e 'estado-árvore'. Vivemos entre esses dois estados, em alterância ou em concomitância: um é movente e outro é permanente. "Fico pensando muito sobre esses estados: estados de movimento, estados de configuração de paisagens".

Murmúrio de estorninhos em Pontevedra (ES) | Foto: Miguel Riopa / Getty Images
Caminhar
Paisagem faz Thereza pensar em deslocamento no espaço. Entretanto, o estado de confinamento vivido durante a pandemia de Covid-19, que de certa forma no Brasil se perpetua, fez com que ela revivesse sua mudança para Fortaleza, justamente quando teve que se adaptar a uma vida com menos rua. No Rio, estava acostumada a fazer tudo a pé, e essa rotina lhe dava muito prazer. "Caminhar é um ato que eu cada vez mais penso esteticamente e politicamente". Conta que está lendo um livro que fala exatemente sobre isso: A arte de caminhar, do monge vietnamita Thich Nhat Hanh.
"Eu sempre tive muito interesse pelas filosofias não principiadas, as filosofias que nos levam na direção de uma não-teologia, de não ser guiada por uma finalidade. Uma filosofia de puro percurso". Caminhar tem a ver com cadência. "Se você está caminhando deambulando, em uma deriva, no próprio ato de caminhar, é como se você vivesse a sobrevivência de um puro meio, de um puro intervalo". A tudo isso, Thereza associa duas peças de Gustavo: Aqui enquanto caminhamos (2006) e Vem caminhar comigo, essa mais recente, realizada em outubro de 2020 durante a pandemia, com a colaboração de Patti Rego, que atualizou o trabalho em Fall River, Massachusetts.
Aqui enquanto caminhamos é o trabalho que mais levou Gustavo a viajar. Foram mais de trinta cidades, e a lista segue aberta. Concebido em parceria com Andrea Sonnberger (Áustria), configura-se enquanto caminhada, na qual o público é levado a uma jornada silenciosa pela cidade, envolto por um grande elástico branco, "como uma espécie de escultura viva, onde exterior e interior se misturam continuamente".
Foi também na pandemia - que ano é hoje? - que Thereza se sentiu impelida a escrever sobre as grandes marchas históricas, convertendo seu talento no texto Marcha à Ré, que você pode - e deve - ler aqui.

Aqui enquanto caminhamos, no Metropolis - Copenhagen International Theatre (DK), em 2009 | Foto: Torben Huss
Andar para frente, andar para trás
Uma 'sensação social' de marcha-ré, compartilhada por muitos brasileiros (falam em 70%) no mesmo tempo-espaço. A partir deste ponto de vista, e através de uma escrita que honra grandes 'artistas do tempo', Thereza analisou algumas célebres marchas que desenharam uma contramão no espaço. No texto supracitado, Thereza traz a ideia pós-einsteiniana de que o tempo é uma construção, e que em certas coreografias sociais, a poética espacial pode escancarar essa carpintaria.
"O tempo não é O tempo. A cronologia é uma convenção, historicamente datada e, como tal, atravessada de política. Assim, o tempo pode, só pra começo de conversa, voltar ou mesmo parar". Alinhada a esse pensamento, na marca 50'45'', Thereza nos apresenta a cosmovisão dos aimarás, povo andino que associa tempo e espaço de uma maneira inteiramente singular.
A língua aimará traz um ineditismo lingúistico: ela é ternária (sim-não-talvez), enquanto as demais são binárias. O talvez é algo corriqueiro, aceito como incerteza natural aos viventes. As frases aimarás são do tipo Sujeito-Objeto-Verbo (SOV), e entendidas segundo a lógica "aqueles testemunhados por quem fala" ou "aqueles não testemunhados por quem fala". Deve ser difícil espalhar inventar fake news entre eles…
Mas Thereza chama atenção para outra característica: as noções de futuro e passado dos aimarás são opostas às ocidentais. Para os andinos, a palavra 'nayra' significa tanto passado quanto adiante, à vista. E a palavra 'quipa' significa futuro, mas também indica antes, atrás. Para os aimarás, "o futuro está às nossas costas, justamente porque a gente não vê. E o passado à nossa frente". O futuro é desconhecido e portanto está atrás de nós, fora de nossa vista.
E o que fazer com um passado desconhecido? Nos países da América do Sul que tiveram longas ditaduras militares, em parte financiadas pelos altos escalões do capitalismo financeiro, uma parte do passado foi escondida, calada ou vilipendiada.
Por exemplo, a Comissão da Verdade, no Brasil, só foi criada em 2011, mais de vinte anos depois do fim da ditadura - e por uma presidenta, ela mesma, vítima direta dos crimes militares. Em 1979, uma lei criada pelo próprio governo militar perdoou crimes de motivação política, mas também foi um gesto de distensão rumo à democracia. O Brasil, sempre pelo avesso.
Aos primeiros raios de sol do dia 21 de junho de 2021 - ano 5529 para o povo aimará -, milhares de bolivianos se juntaram na cidade de Tiwanaku e ergueram as mãos para Al Tata Inti (o 'Pai Sol'), que neste dia, emanou seu calor de forma especial. Começou ali um novo ciclo agrícola, e também o inverno. Foi o dia mais curto do ano. Em uma mesa de oferendas, presentes foram oferecidos ao fogo, aquecendo os corpos dos que testemunharam a festa.
Exceto em 2020, por conta da pandemia, todo ano acontece assim. Não esqueçamos da ciclicidade, "que brota sempre de si mesmo". O fogo, que queima e anuncia, é também um presente para Al Tata Inti. Para que o Sol, mesmo quando em seu avesso, não deixe de iluminar o passado que está na nossa frente.

Cerimônia do ano novo aimará, no Complexo Arqueológico de Tiwanaku, na Bolívia | Foto: Aizar Raldes / AFP
Se você só chegou no nosso podcast agora, volte oito episódios. Um Rádio na Paisagem fica no ar para todo o sempre, nas principais plataformas de áudio, independente da marcha da História. Com certeza, em um futuro próximo, voltaremos com mais episódios. Obrigada por nos acompanharem até aqui! Boa viagem, navegantes!
Concepção, direção artística e entrevistas: Gustavo Ciríaco
Artistas entrevistados: Ana Pi, Bruno Levorin, João Saldanha, Laura Lima, Luciana Lara, Marcelo Evelin, Maya Da-rin e Michelle Moura
Artistas debatedoras: Michelle Sommer e Thereza Rocha
Comunicação, produção executiva e redação: Priscila Maia
Edição de som e música: Fabiano Araruna
Web Design e programação visual: Marina Lufti
Desenhos: Gonçalo Lopes
Administração - Mídias Sociais: Mariana Marques
Produção: Dos Voos – Soluções em Arte e Design
Apoio: THIRD - Amsterdam University of the Arts
Realização: Sesc SP